Localizado na Praça João Cândido, ao lado das Ruínas de São Francisco, o Palácio Belvedere guarda uma atmosfera de lendas e mistérios, digna dos contos de uma sexta-feira 13. Nos mais de cem anos de história, já foram encontradas ossadas deixadas de herança pela igreja inacabada da região, incêndio devastador, rumores de extermínios em praça pública e de uma moça que assombra as instalações até os dias atuais.
A construção remonta a 1915, quando o então prefeito Cândido de Abreu decidiu dar uma nova finalidade ao espaço que abrigava uma pequena capela de São Francisco de Paula.
Na mesma época em que o Belvedere ganhava forma, outras construções tradicionais da capital, como o Paço da Liberdade, também eram erguidas. Esses projetos tinham a do arquiteto francês Roberto Lacombe. Segundo o secretário de Desenvolvimento Sustentável do Paraná e ex-prefeito de Curitiba, Rafael Greca, que também é urbanista e historiador, o edifício mantém características únicas da época.

“Esse palácio é uma graciosa edícula em estilo francês art nouveau, que incorporou elementos arquitetônicos inspirados na natureza, como flores e pétalas. É um estilo pré-modernista, de um momento em que o mundo se aproximava da maturidade industrial”, explica Greca.
Erguido em um dos pontos mais altos da antiga e pequena Curitiba, o Belvedere foi pensado como um mirante, oferecendo vista privilegiada da Serra do Mar. No início do século XX, a urbanização ainda se limitava às imediações da Rua João Negrão, próximo à estação ferroviária, hoje Shopping Estação. Por isso, os picos que compõem a serra eram plenamente visíveis no Palácio.
Belvedere: do auge ao abandono
Desde seus primeiros anos, o Palácio Belvedere serviu a diferentes finalidades públicas. Ninguém nunca morou lá, mas a casa quase sempre esteve cheia. Em 1922, abrigou a primeira emissora de rádio do estado, a PRB-2. Já em 1962, tornou-se sede da União Cívica Feminina, referência em movimentos cívicos e democráticos ligados aos valores cristãos.
“Essas senhoras lideraram importantes manifestações, como a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que levou milhares de pessoas ao Palácio Iguaçu para protestar contra as reformas propostas pelo presidente João Goulart”, conta o secretário. Com o falecimento das líderes, o prédio acabou abandonado e, posteriormente, utilizado como sede de uma polícia turística e de uma associação de assistência a moradores de rua.
Quando assumiu o segundo mandato como prefeito de Curitiba, em 2016, Rafael Greca propôs transformar o local, que estava abandonado, na sede da Academia Paranaense de Letras (APL). Além de ser candidato a sede da APL, o projeto previa a instalação de um café escola do Senac Paraná. No entanto, em 2017, durante as tratativas para a revitalização, o edifício foi atingido por um incêndio que quase destruiu por completo a estrutura.

Mistério no Belvedere: a descoberta de ossadas
A revitalização, desta vez voltada também a reparar os danos provocados pelo incêndio, começou em 2018. No ano seguinte, já na fase final do projeto de restauração elaborado pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), uma descoberta inesperada mudou novamente o rumo da obra: ossadas foram encontradas sob o prédio.
“Na hora de estabelecer os fundamentos desse deck, o serviço de arqueologia do Museu Paranaense, em conjunto com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, identificou o antigo cemitério da igreja de São Francisco de Paula”, conta Greca.


O cemitério fez parte da antiga capela. E nas Ruínas de São Francisco, a nova igreja – que seria maior – nunca foi construída por completo. Os portugueses construíam uma capelinha e, depois, iniciam a construção de uma igreja maior, que seria a principal. Em 1811, ficaram prontas a capela-mor e a sacristia, mas o restante do material da construção foi destinado à Catedral Basílica Menor de Nossa Senhora da Luz, na Praça Tiradentes.

Com o início da construção do Palácio Belvedere pelo prefeito Cândido de Abreu, a igreja havia sido transferida para a esquina das ruas Desembargador Motta e Saldanha Marinho, onde ainda funciona a Paróquia São Francisco de Paula. Já o cemitério foi realocado para o atual Cemitério Municipal São Francisco de Paula, no bairro São Francisco. Bom, pelo menos boa parte dele.
No entanto, tudo o que estava sob a igreja permaneceu no local. “As ossadas do capitão Manuel Antônio Guimarães e de seus familiares estavam entre as encontradas. Para preservar o espaço, criamos um terraço suspenso que conecta o Belvedere às Ruínas de São Francisco”, conta o ex-prefeito.
A noiva do Belvedere
Muito antes das descobertas arqueológicas, o Palácio já era cenário de lendas locais. Fantasmas? Enforcamentos? Uma “terra sem lei”? Há um momento em que a história se confunde.
Em 1894, após a morte do Barão do Serro Azul, o presidente da República ordenou o fuzilamento de seus simpatizantes. As execuções, no entanto, ocorreram nas proximidades do atual Cemitério São Francisco de Paula, e não no Palácio. No cemitério, uma lápide de pedra, com uma cruz e a inscrição “Pax” — paz, em latim — marca o local do martírio.
Sem registros de ocorrências “macabras” no espaço, as lendas do Belvedere correspondem a histórias do imaginários popular dos curitibanos. A escritora Luciana do Rocio Mallon, autora do livro Lendas Curitibanas, reuniu relatos de moradores antigos do bairro São Francisco e arquivos da Biblioteca Pública do Paraná para construir contos. O palácio é palco de uma das histórias que compõem seu livro: a Noiva do Belvedere.







A lenda conta a história de Esther, uma jovem curitibana de cabelos loiros que buscava refúgio no Belvedere para escapar dos abusos do padrasto. Forçada a se casar com um homem mais velho e violentada, ela teria se atirado do mirante. Dizem que, em noites de lua cheia, seu espírito seduz homens no mesmo local onde perdeu a vida.
Além dessa história, o livro de Luciana registra outras lendas locais, como o Morro dos Enforcados, a Bruxa Tibúrcia, o Gato Bóris e o Cavalo Fantasma. “Por trás de um causo há um pingo de verdade e, muitas vezes, esta verdade possui uma razão histórica”, afirma. Segundo a autora, esses contos ajudam a manter viva a tradição da contação de histórias, além de contribuir para a criação de novos símbolos vinculados à identidade dos curitibanos.
Para Rafael Greca, essas histórias se encaixam bem na máxima italiana: “se não é verdade, é bem contado”. São narrativas que, como as lendas, mantêm viva a chama da identidade cultural de quem as transmite. “A cidade é feita de sua memória, que é aquilo que permanece conosco mesmo quando esquecemos o que um dia aprendemos. A memória e a cultura são o que permanecem dentro de nós”, resume o ex-prefeito.
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