No domingo, as 58 pessoas que eram mantidas em quarentena na Base Aérea de Anápolis, em Goiás, foram liberadas após exames confirmarem que não foram contaminados pelo coronavírus. Os brasileiros foram resgatados em Wuhan, na China, epicentro dos casos da doença, e estavam em confinamento desde o dia 9 de fevereiro.

Um dos brasileiros colocados em quarentena escreveu relatos sobre a experiência de isolamento na base de Anápolis. Nos textos, Caleb Guerra, de 28 anos, estudante de Literatura que morava em Wuhan, contou como as lembranças da China permearam a estadia na base e narrou a rotina de cuidados do grupo brasileiro isolado – desde momentos de tensão a episódios de descontração.

Uma cerimônia alegre marcou o fim do isolamento – que foi possível após o terceiro exame dar resultado negativo para coronavírus. Conforme conta Guerra, o grupo era constantemente monitorado e acompanhado por uma psicóloga. As últimas amostras foram colhidas na sexta-feira e as análises foram concluídas no Sábado.

Das pessoas em quarentena, 34 eram brasileiros que viviam na China e 24 eram servidores militares e civis que participaram da operação. Eles embarcaram nas aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB) que os levaram aos seus Estados de origem.

Guerra seguiu para o interior de São Paulo, onde, finalmente, encontraria a família. A seguir, os cinco textos que o jovem escreveu durante a quarentena.

DIA 1

‘Não esqueço a vida que deixei por lá’

No primeiro dia de quarentena em Anápolis, sentado em um quarto depois de quase 40 horas desde que saí do meu apartamento para voltar ao Brasil, minha vida na China parece novamente um sonho distante. Na verdade, morar na China sempre acentuou a percepção do distanciamento do Brasil. Até que a tragédia de Wuhan causou a colisão dos meus dois mundos. Entre a minha identidade brasileira e meus sonhos chineses, o fator de aproximação foi o povo de uma cidade inteira prostrado a um vírus que nem nome ainda tem.

De dentro da cidade isolada e silenciosa, ouvíamos todas as vozes do mundo falando sobre nós. As ruas anônimas, nunca antes catalogadas nos radares dos jornais internacionais, se tornaram o foco de milhões de olhares. A cidade ganhara a atenção global que nunca possuíra por algo que nunca desejou ter. Meus irmãos chineses se tornaram ou estatísticas de morte ou casos suspeitos ou piadas na internet. Não consigo esquecer a parte da minha vida que deixei por lá. Não sei quando tudo vai acabar e ainda não processei toda essa história direito na minha mente.

DIA 2

‘Penso no meu colega que perdeu o pai’

Na China, feijão é servido doce. Às vezes, caramelizado. E tem sido impossível comer feijão salgado sem pensar nos doces que levam feijão. Olho o pão francês servido quentinho de manhã e me alegro. De repente minha mente pergunta: “Cadê ovo cozido que ou a noite inteira mergulhado no chá e agora está da cor marrom e com gosto de cravo"M627.409,331.563L512.604,306.07c-44.69-9.925-79.6-46.024-89.196-92.239L398.754,95.11l-24.652,118.721 c-9.597,46.215-44.506,82.314-89.197,92.239l-114.805,25.493l114.805,25.494c44.691,9.924,79.601,46.024,89.197,92.238 l24.652,118.722l24.653-118.722c9.597-46.214,44.506-82.314,89.196-92.238L627.409,331.563z"/>